terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pássaros nerds, ecossistemas e propriedades emergentes‏ por Pablo Peixoto


Esse texto é do grande Pablo Peixoto, responsável pelo blog Bohemian Rhapsody.

Obrigada, pela confiança em ceder seu texto nesse espaço, esteja certo estará sempre aberto pra você.




Essa imagem rodou a net nos últimos dois dias: um grupo de estorninhos botando um predador

(algum falconiforme) pra correr voar, numa formação que lembra o icônico Pac-Man. É bonita, é engraçada, é surpreendente. Guardadas as devidas proporções, é igual à água.








Aí você me pergunta o que diabos tem a ver a água com um bando de pássaros jogadores de vídeo-games? Para entender a relação entre ambos, bem como qual a relação disso com outras coisas surpreendentes na Natureza, é preciso entender o que são propriedades emergentes.

Uma propriedade emergente é definida como aquela que surge num sistema a partir de um determinado nível, que não poderia ser prevista analisando-se isoladamente as partes constituintes desse sistema. Trata-se de um fenômeno resultante de múltiplas interações simples e não-lineares, aparentemente caóticas, entre os elementos do sistema, resultando num padrão de comportamento complexo. Ou seja, uma propriedade emergente não é uma propriedade do elemento do sistema, mas uma propriedade do sistema em si, que se torna uma entidade com relação a essa propriedade. Ou, como se costuma dizer para o fenômeno da emergência, “o todo é mais do que a soma das partes.” Por ser resultado de interações, a propriedade emergente não demanda um controle central. Não há um elemento no sistema que coordena os outros elementos e determina o aparecimento da propriedade: diz-se que a emergência é descentralizada e se auto-regula no âmbito das interações entre os componentes do todo.
Por mais incrível e “místico” que possa parecer, o fenômeno da emergência é algo bastante comum ao nosso redor, presente nos mais diversos âmbitos da vida, desde sistemas físicos até o mercado de ações, passando pela biologia, psicologia, artes, redes sociais, computação, entre outros. A própria vida é uma propriedade emergente, mas isso é assunto para outro post. O exemplo clássico de fenômeno emergente é a água, que eu mencionei no começo do texto. Todos nós sabemos que a molécula de água é composta de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Porém, também sabemos que as propriedades da água são completamente diferentes das propriedades destes dois elementos; mesmo conhecendo os comportamentos químicos e físicos do hidrogênio e do oxigênio, seria impossível, a partir deles, prever o comportamento físico-químico da água.



"Madame Monet and Child", de Claude Monet. Não há nada além de várias pinceladas rápidas. São as interações entre essas pinceladas que formam a imagem da tela. Ela não faz sentido se você não pensar na imagem como um todo.






E aí voltamos para os estorninhos nerds da imagem inicial. O comportamento de bando dos pássaros é um exemplo de propriedade emergente. Um pássaro sozinho não vai pensar num formato específico quando estiver em bando, mas as várias interações de um grande grupo de pássaros podem, a partir de um nível crítico, fazer com que o bando se comporte como uma unidade e exiba um padrão de comportamento impensável se você considerar um pássaro sozinho ou um grupo insuficiente.
Outro exemplo impressionante é um cardume. O comportamento dos peixes em bando como uma unidade é algo extraordinário, principalmente se você pensar que certos cardumes podem atingir mais de 1 km de extensão.

Podemos pensar também numa colônia de formigas. Embora tenhamos uma rainha, não é ela que define o comportamento do formigueiro, mas sim as interações químicas entre todos os indivíduos que integram a colônia. Cada formiga reage a partir dos sinais químicos, deixados nos arredores por outras formigas, e da codificação de seu genoma. Dessas interações, resultam comportamentos complexos que só são possíveis se pensarmos no formigueiro como uma unidade autônoma, não como um mero agrupamento de formigas.
Como podemos ver, a interação assume papel fundamental no âmbito da emergência. Ora, por definição, Ecossistemas são casos notáveis de propriedades emergentes. Usarei dois exemplos fabulosos: A Floresta Amazônica e o Recife de Coral.
Uma das primeiras coisas que normalmente ocorrem às pessoas, ao observarem a exuberância da Floresta Amazônica, é pensar que seu solo é bastante rico, caso contrário não seria possível uma floresta tão densa e exuberante se desenvolver. Ledo engano. O solo dessa região é arenoso e pobre em nutrientes. O que mantém a riqueza e a diversidade da floresta é a própria floresta. A ciclagem de nutrientes entre os elementos do Ecossistema é extremamente rápida, e isso só é possível graças às características das múltiplas interações existentes entre esses elementos. É essa rápida ciclagem, entre outros fatores, que permite que a Floresta Amazônica possa manter-se, mesmo em um solo pobre: ela aproveita o fluxo de matéria e energia com um mínimo de perdas (clímax) e permite não só sua própria manutenção, como também a de mini-ecossistemas dentro do ecossistema maior: a floresta se comporta como uma unidade, não como um mero conjunto. Retirando a floresta, retiramos a capacidade produtiva daquela área.

Algo semelhante ocorre num Recife de Coral. O Recife se desenvolve em águas mornas, pobres em nutrientes. No entanto, é um dos ecossistemas mais ricos do planeta. Isso graças à complexa estrutura do sistema, que permite que os poucos nutrientes sejam rapidamente reciclados e mantenham-se circulando entre os componentes do Recife, elevando exponencialmente a capacidade produtiva da área e permitindo a biodiversidade característica desses locais. São as frágeis interações entre as unidades desse complexo ecossistema que o tornam tão diversificado, fascinante e importante: o Recife de Coral é uma entidade autônoma, não um mero conjunto de rochas e seres marinhos.

O fato é que a existência das propriedades emergentes torna mais complexa a compreensão do funcionamento de determinados sistemas. E, no caso dos Ecossistemas, a importância de se conhecê-los, gerenciá-los adequadamente e preservá-los ganha mais um reforço tendo em mente o conceito de emergência, derivando daí a obrigação de encará-los como unidades integradas, onde são as múltiplas interações entre seus elementos que definem sua identidade e seu papel. Um Ecossistema só faz sentido se o pensarmos como uma entidade, tal qual a água, o bando de pássaros, o cardume ou o formigueiro; alterar impensadamente essas interações pode gerar uma reação em cadeia com consequências imprevisíveis e surpreendentes. Tal qual ver um bando de pássaros formar um Pac-Man gigante para assustar um predador. Só que, no caso do Ecossistema, o resultado provavelmente não será engraçado ou bonitinho.



Fonte:

http://www.coralreefinfo.com


http://www.iplay.com.br/Imagens/Divertidas/Mergulhadores_rodeados_por_um_enorme_cardume_de_peixes_no_fundo_do_mar+4335&Grupo=10
http://www.claudemonetgallery.org/Madame-Monet-and-Child-%28Camille-Monet-and-Child-in-a-Garden%29.html

3 comentários:

  1. =D
    Espero que meu texto possa ser de grande utilidade.
    E obrigado por me abrir seu espaço.

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  2. Obrigada você, pela confiança e participação!!!
    beijo grande

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  3. Show de bola o texto!
    Amei Mila!!
    Bjão

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